A Paixão Segundo G.H., de Clarice Lispector

16 de fevereiro de 2025 - Regiane Silva

Livro A Paixão Segundo G.H. em uma estante com outros livros atrás.

Livro: A Paixão Segundo G.H.;

Autora: Clarice Lispector;

Editora: Rocco;

Publicado em 1964;

Páginas: 188;

O que achei

Costumo pegar um livro para ler sabendo o mínimo a respeito da história. Gosto de me surpreender, não ter opiniões externas a respeito dele e passo longe dos spoilers. Sou uma pessoa fácil de se influenciar, então busco criar minha opinião primeiro para depois enriquecê-la com as opiniões de outros. Porém, em A Paixão Segundo G.H. talvez eu necessitasse de algumas explicações antes de embarcar na leitura.

É o segundo livro que abandono neste ano. Faltavam menos de 40 páginas, mas minha paciência já havia sido dissolvida por completo. Não foi uma leitura agradável. Ao notar que estava me forçando a continuar, desisti. Ler deve ser prazeroso e não uma guerra, é assim que penso. Por esse motivo, não perderei tempo com leituras que não funcionam para mim.

A narrativa da história é um fluxo de consciência, ou seja: não há uma linearidade, são os pensamentos da personagem vagando e nos levando junto, parecendo um sonho. Ela inicia um pensamento, que leva a outro pensamento, que levará a outro, concluindo raramente o primeiro pensamento. Num momento estamos olhando pela janela do apartamento e em seguida vagando pelo deserto.

Foi difícil manter a concentração enquanto eu lia. Tive de ler vários parágrafos mais de uma vez porque minha mente vagava tão rápido quanto a divagação da G.H.

Para fazer esta resenha, fiz algumas pesquisas para compreender alguns significados das metáforas e dos símbolos usados pela autora. Se eu obtivesse essas informações antes, talvez teria tido uma experiência de leitura melhor.

O início da história é bem interessante. Li as primeiras 50 páginas sem vontade de largar o livro. No entanto, chegou a um ponto que parecia que a narrativa não chegaria a lugar nenhum. Ela nos leva a vários lugares e a lugar nenhum, ao mesmo tempo.

Resenha

A paixão segundo G.H. narra a crise existencial de uma mulher que se depara com uma barata. A obra é introspectiva e intimista, e explora a relação entre a personagem e o animal. G.H. narra a sua experiência no quarto da ex-empregada ao entrar no velho aposento para limpar, com o objetivo de deixá-lo pronto para a próxima funcionária. No pequeno guarda-roupa, ela encontra uma barata. Num desespero de nojo, esmaga o inseto e decide provar seu interior branco.

A barata é uma personagem secundária que desencadeia a tentação em G.H. A presença do animal provoca nela a capacidade de violência e o desejo de matar.

A partir deste acontecimento, G.H. começa a refletir sobre a sua existência, questionando-se sobre quem verdadeiramente é. A história começa exatamente assim, na sua incredulidade por perder quem era em poucos instantes.

É difícil perder-se. (…) Ontem, no entanto, perdi durante horas e horas a minha montagem humana. Se tiver coragem, eu me deixarei continuar perdida. (p. 10 e 11)

No artigo Uma Leitura Existencialista de A Paixão Segundo G.H., a autora Anna resume o início do livro da seguinte forma:a história se inicia em uma manhã comum, no meio de uma faxina, que nunca chegou a terminar. A tranquilidade do apartamento vazio de G.H. contrasta com a ausência da empregada que se demitira um dia antes e, em meio a miolos de pão enrolados no tédio da mesa de café da manhã, a protagonista planeja o seu dia. A faxina, que tem o objetivo de organizar e limpar a cobertura, acaba se transformando em uma lavagem da alma. Desde o início da manhã, G.H. sente que precisa começar sua limpeza pelo quarto da antiga empregada, pois lá seria o lugar mais desorganizado. E, como quem mata o mal pela raiz, G.H. começa sua faxina pela única parte da cobertura que não a representa.”

Começaria talvez por arrumar pelo fim do apartamento: o quarto da empregada devia estar imundo, na sua dupla função de dormida e depósito de trapos, malas velhas, jornais antigos, papéis de embrulho e barbantes inúteis. (p. 32)

Esperara encontrar escuridões, preparara-me para ter que abrir escancaradamente a janela e limpar com ar fresco o escuro mofado. Não contara é que aquela empregada, sem me dizer nada, tivesse arrumado o quarto à sua maneira, e numa ousadia de proprietária o tivesse espoliado de sua função de depósito. Da porta eu via agora um quarto que tinha uma ordem calma e vazia. (…) Tratava-se agora de um aposento todo limpo e vibrante como num hospital de loucos onde se retiram os objetos perigosos. (p. 35 e 36)

Quando G.H. entra no quarto, ela imaginava que ele estaria sujo, porém tem a surpresa de encontrá-lo impecavelmente limpo. No texto Enigmas em A Paixão Segundo G.H., os autores dizem o seguinte a respeito dos sentimentos de G.H. ao raciocinar sobre a limpeza do quarto:

“Janair a ex-empregada passa a ser o motivo pelo ódio que cresce em G.H., praticamente um próprio ser insignificante tanto quanto a barata. Esse ódio seria porque G.H. tinha uma ideia totalmente contrária da doméstica ligada à pobreza, se contradizendo com o que ela pensava a respeito das classes desprivilegiadas, esta atitude discriminatória de ligar a pobreza e a imundice, fazendo falso juízo às condições de zelo daquela empregada, assim ela acaba por frustrar-se quando entra no quarto e não o encontra do jeito em que ela idealizava. Seu desejo de vingança a partir daí servira para abrir os olhos, para o mundo exterior o qual ela não conhecia, fazendo-lhe sair daquele seu mundinho em que vivia, saindo um pouco do individualismo de classes, passando a ter uma ideologia de vida própria.”

O livro inteiro se passa com ela dentro do quarto questionando a vida. Parei a leitura pouco à frente da cena em que G.H. come parte da barata. Uma das cenas mais nojentas que já li, Clarice está de parabéns pelas descrições. Enquanto eu me esforçava para acompanhar o fluxo de consciência da personagem, a leitura me passou a sensação de alguém que sofreu anos com ansiedade, mas que vivenciou todos aqueles sentimentos em apenas um dia.

São muitos questionamentos que a personagem faz no quarto, o que deixa o livro com grande profundidade. É quase uma experiência sobrenatural que G.H. vivencia, flutuando pelo inferno, purgatório e céu. Tem horas que parece que ela conversa com a gente, há momentos em que se direciona a um amor e outros em que fala diretamente com Deus.

Gostaria de tê-lo compreendido ou amado. Quem sabe a Regiane do futuro quando o ler novamente, com novas experiências na vida e com os entendimentos a respeito da história, possa tirar mais proveito desta obra.

Infelizmente agora, a história não funcionou para mim.

Trechos

Perder-se significa ir achando e nem saber o que fazer do que se for achando. (p. 11)

A verdade não me faz sentido! É por isso que eu a temia e a temo. (p. 17)

Naquela manhã, antes de entrar no quarto, o que era eu? Era o que os outros sempre me haviam visto ser, e assim eu me conhecia. Não sei dizer o que eu era. Mas quero ao menos me lembrar: que estava eu fazendo? (p. 22)

E você já leu este livro? Tem curiosidade?

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Foto Regiane Silva Regiane Silva

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