Emma, de Jane Austen | Análise literária

17 de abril de 2025 - Regiane Silva

Ilustração de Emma, sentada à mesa, escrevendo. Seu pai está à sua direita, atrás dela estão o Sr. Knightley, Harriet Smith e a Sra. Bates.

A história gira em torno de Emma Woodhouse, uma jovem bonita, rica e bastante inteligente que vive com o pai em uma propriedade chamada Hartfield, na Inglaterra rural. Aos 21 anos, Emma acredita que nunca vai se casar — afinal, ela já tem tudo o que precisa e gosta de ser independente. Mas isso não a impede de querer arranjar casamentos para os outros.

Após ver sua governanta se casar graças a uma suposta “ajudinha” sua, Emma decide que tem talento para ser casamenteira e se dedica a encontrar um bom par para sua nova amiga, Harriet Smith, uma moça doce, mas de origem incerta. No entanto, os planos de Emma nem sempre saem como ela espera — e, aos poucos, ela percebe que sua visão do mundo é ingênua e cheia de julgamentos apressados.

Enquanto tenta controlar o destino amoroso dos outros, Emma comete erros que afetam as pessoas ao seu redor — inclusive a si mesma. Ela rejeita o interesse de um cavalheiro respeitável, se engana quanto aos sentimentos de outros, e demora a perceber o que realmente sente por Mr. Knightley, seu amigo de longa data e o único que tem coragem de dizer a ela verdades difíceis.

Ao longo da narrativa, acompanhamos o amadurecimento de Emma, que aprende com seus equívocos, desenvolve empatia e descobre que o amor verdadeiro pode estar bem mais perto do que ela imaginava.

Resenha

Publicado pela primeira vez em 1815. Neste romance, a autora mergulha com ironia e sutileza nas complexidades das relações sociais e afetivas da Inglaterra georgiana, ao mesmo tempo em que constrói uma protagonista que divide opiniões até hoje: Emma Woodhouse.

Emma é uma jovem rica, bonita e espirituosa que acredita ter um talento natural para “casamenteira”. Confiante em seu julgamento, ela tenta interferir na vida amorosa das pessoas ao seu redor, especialmente da doce e ingênua Harriet Smith. O que Emma não percebe, no entanto, é que sua visão do mundo é limitada pelos privilégios que sempre teve — e suas boas intenções muitas vezes provocam confusões, desilusões e mal-entendidos.

O charme do romance está no arco de amadurecimento de Emma, que passa de uma jovem mimada e egocêntrica a uma mulher mais sensível, humilde e consciente de suas emoções e responsabilidades. Austen conduz essa transformação com sua marca registrada: diálogos inteligentes, ironias elegantes e observações afiadas sobre a sociedade, o papel da mulher e os jogos de poder disfarçados de cortesia.

Um dos pontos altos da obra é a relação entre Emma e Mr. Knightley, um cavalheiro sensato, honesto e afetuoso que funciona como contraponto à impulsividade da protagonista. É um romance construído com tempo e cuidado, mais baseado na amizade, na admiração mútua e no crescimento pessoal do que em grandes declarações ou paixões arrebatadoras.

Emma não é apenas uma história de amor: é uma crítica social sutil e um estudo de personagem brilhante. Austen nos mostra que amadurecer é aprender a ouvir, a errar e a enxergar além de si mesmo — uma lição que, dois séculos depois, continua profundamente atual.

Outros personagens

Mr. George Knightley

Knightley é um dos personagens mais admirados do livro. Ele é o melhor amigo da família Woodhouse e mora na propriedade vizinha. Sensato, gentil e honesto, ele é um verdadeiro contraponto a Emma: onde ela é impulsiva, ele é ponderado; onde ela julga, ele observa.

Função narrativa: Knightley funciona como a consciência moral da história e, ao mesmo tempo, representa o amor maduro e construído sobre respeito e amizade. É o único que desafia Emma de verdade, e isso é fundamental para o crescimento dela. Ele não tem medo de dizer a verdade para ela, enquanto os outros apenas são bajuladores dela.

Harriet Smith

Harriet é uma jovem ingênua e de origem social incerta. Por ser influenciável, ela se torna uma espécie de “projeto” para Emma, que tenta moldar seu destino amoroso. Apesar de sua doçura, Harriet muitas vezes é usada para mostrar como os julgamentos de Emma são equivocados.

Papel simbólico: Representa a fragilidade de quem não tem voz própria na sociedade da época — e como os jogos de classe e aparência podiam manipular vidas inteiras.

Srta. Bates

É uma mulher de meia-idade, solteira, sem recursos e muito tagarela. Emma a despreza em certos momentos, o que revela sua falta de sensibilidade e empatia — especialmente em uma cena humilhante durante um piquenique.

Importância: A srta. Bates serve como um espelho social: embora simples, é respeitosa e generosa. A forma como Emma a trata mostra a arrogância disfarçada de boas maneiras que a protagonista precisa desconstruir.

Frank Churchill

Filho do Sr. Weston, Frank é charmoso, sedutor e misterioso. Emma chega a acreditar que pode haver algo entre eles, mas ele guarda segredos que complicam as coisas. Embora ela diga que não quer se casar, ainda sente que ele pode ser um bom partido.

Função: Representa o risco das primeiras impressões e o jogo de aparências. Enquanto Emma projeta nele um ideal de romance, a verdade é muito mais complexa.

Jane Fairfax

Sobrinha da Srta. Bates, Jane é inteligente, talentosa e reservada. Ela é, em muitos sentidos, o oposto de Emma — vive com poucos recursos, mas é educada e virtuosa. Ela aproveitou todas as oportunidades que a vida lhe deu para se aperfeiçoar, como canto, piano e dança. Enquanto Emma sempre abandonou tudo que começava por não achar interessante.

Contraponto à protagonista: Jane mostra o que é ser uma mulher sem fortuna em uma sociedade rígida. Sua dignidade e discrição revelam que nem sempre a ostentação acompanha o mérito.

Mr. Woodhouse

Pai de Emma, é um homem hipocondríaco, medroso e afetuoso. Apesar de suas excentricidades, ele é muito querido por todos.

Papel na história: Representa o apego de Emma à infância e à estabilidade. Sua figura afetuosa e frágil mostra o lado mais cuidadoso e protetor da protagonista. O fato de ela não querer se casar é justamente para não abandonar o pai.

Sra. Weston (Srta. Taylor)

Antiga governanta de Emma, a Sra. Weston é uma figura maternal, gentil e sensata. Após se casar com o Sr. Weston, torna-se uma das personagens mais equilibradas e afetuosas do romance.

Papel na história: Ela representa a mulher que encontra o amor e a segurança dentro das limitações da sociedade da época, sem perder sua ternura ou bom senso. Serve como uma conselheira para Emma, mesmo após deixar Hartfield. Sua presença reforça o contraste entre maturidade emocional e impulsividade juvenil.

Sr. Elton (Contém Spoilers)

O Sr. Elton é o vigário de Highbury — vaidoso, interesseiro e bastante preocupado com sua posição social. Emma acredita, erradamente, que ele estaria interessado em Harriet, mas ele, na verdade, quer se casar com alguém de status mais elevado — no caso, a própria Emma.

Função narrativa: Ele representa os perigos da vaidade social e da ambição disfarçada de virtude. Sua rejeição a Harriet e posterior casamento com a esnobe Sra. Elton serve como um alerta sobre julgamentos apressados e hipocrisia social. Ele também mostra que nem todo “cavalheiro” é digno de confiança.

A Delicada Convivência entre Classes

No romance, Austen mostra que pessoas de diferentes classes se relacionavam, mas sempre com regras implícitas de comportamento.

Por exemplo:

Emma visita os mais pobres por caridade, não por amizade.

A Srta. Bates é constantemente humilhada (mesmo que discretamente) por ser uma mulher solteira, pobre e falante.

Harriet, de origem incerta, pode ser amiga de Emma, mas apenas enquanto se comportar como alguém grata e submissa.

 O convívio era possível, mas não havia igualdade verdadeira. As “boas maneiras” da elite muitas vezes mascaravam desprezo e controle.

Conclusão da resenha

Jane Austen mostra, com elegância e ironia, que viver em uma sociedade rigidamente dividida por classes era sufocante — especialmente para mulheres. Em Emma, essa crítica aparece nos limites sociais impostos a todos os personagens:

Emma não pode (e não quer) se casar abaixo da sua classe;

Harriet sofre por sua origem indefinida;

Srta. Bates é excluída por ser pobre;

E o Sr. Knightley, embora rico, é admirável por tratar todos com respeito — algo raro para a época.

Ilustração de Emma e Cher.

Comparação ao filme As Patricinhas de Beverly Hills

Protagonista rica, bonita e “bem-intencionada”

Emma Woodhouse e Cher Horowitz são jovens ricas, mimadas e vivem em bolhas de conforto.

Ambas são populares, confiantes e acreditam que têm um “dom” para transformar a vida dos outros — especialmente no amor.

Elas agem como cupido para as amigas, mas acabam percebendo que suas “boas intenções” podem causar mais confusão do que solução.

Cher é a Emma moderna, com roupas de grife e celular rosa (1995), mas o coração é o mesmo: cheio de boas intenções, ainda que um pouco cega para a realidade.

A amiga transformada

Emma tenta elevar Harriet Smith socialmente, afastando-a de um pretendente “inferior” (o Sr. Martin) e criando fantasias românticas com homens de classes mais altas.

Cher faz o mesmo com Tai Frasier, uma garota nova e desajeitada, tentando transformá-la em popular e arrumando um suposto par perfeito para ela.

Ambas as amigas passam por transformações externas e internas — e, no fim, desafiam a ideia de que precisam ser moldadas para se encaixar em um padrão.

Erros e autodescoberta

Emma comete erros de julgamento e precisa encarar suas falhas para amadurecer.

Cher também percebe que errou ao tentar controlar a vida amorosa dos outros — e, aos poucos, vai se conhecendo melhor.

O arco de crescimento das duas é o mesmo: elas começam cheias de certezas e terminam mais humildes, mais maduras e mais conscientes de si mesmas.

O romance que estava bem na frente o tempo todo (contém spoiler)

Emma só percebe que ama o Sr. Knightley depois de muito tempo e muitas confusões.

Cher se dá conta de que está apaixonada por Josh, seu ex-meio-irmão, já no fim do filme — e é um dos momentos mais doces da história.

Ambas descobrem que o amor verdadeiro é aquele que cresce com base na amizade, na convivência e no respeito — não nos jogos sociais.

A crítica social — à sua maneira

Jane Austen usa Emma para criticar a rigidez de classes sociais, os papéis da mulher e os julgamentos rasos da sociedade inglesa do século XIX.

As Patricinhas de Beverly Hills faz isso de forma moderna e cômica, satirizando o consumismo, os padrões de beleza, a vida fútil dos adolescentes ricos de Los Angeles e os rótulos sociais do ensino médio. Claro, sem se aprofundar em grandes questões.

Apesar da leveza, as duas obras provocam uma reflexão: quem somos de verdade por trás das aparências?

Conclusão da comparação

Mesmo com dois séculos de diferença, Emma e As Patricinhas de Beverly Hills compartilham o mesmo coração:

Uma protagonista carismática que precisa aprender com os próprios erros;

Um romance que floresce aos poucos;

E uma crítica delicada (ou divertida) aos valores sociais do seu tempo.

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Foto Regiane Silva Regiane Silva

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