Úrsula, de Maria Firmina dos Reis | Resenha

21 de junho de 2025 - Regiane Silva

Livro Úrsula em uma prateleira com outros livros ao fundo.

Comecei a leitura de Úrsula sem grandes expectativas, e isso acabou sendo ótimo, pois fui surpreendida de forma muito positiva. A narrativa se inicia com um prólogo que, na verdade, se assemelha mais a uma nota da autora, estabelecendo uma conexão com o leitor.

Mesquinho e humilde livro é este que vos apresento, leitor. Sei que passará entre o indiferentismo glacial de uns e o riso mofador de outros, e ainda assim o dou a lume. Não é a vaidade de adquirir nome que me cega, nem o amor-próprio de autor. Sei que pouco vale este romance, porque escrito por uma mulher, e mulher brasileira, de educação acanhada e sem o trato e a conversação dos homens ilustrados, que aconselham, que discutem e que corrigem, com uma instrução misérrima, apenas conhecendo a língua de seus pais, e pouco lida, o seu cabedal intelectual é quase nulo. (…) Deixai, pois, que a minha Úrsula, tímida e acanhada, sem dotes da natureza, nem enfeites e louçanias de arte, caminhe entre vós. Não a desprezeis, antes amparai-a nos seus incertos e titubeantes passos para assim dar alento à autora de seus dias, que talvez com essa proteção cultive mais o seu engenho, e venha a produzir coisa melhor, ou, quando menos, sirva esse bom acolhimento de incentivo para outras, que com imaginação mais brilhante, com educação mais acurada, com instrução mais vasta e liberal, tenham mais timidez do que nós.

Úrsula é o primeiro romance publicado por uma mulher negra no Brasil, o que, por si só, já a torna uma obra revolucionária. Foi lançado em 1859, em pleno período escravocrata, quando a literatura brasileira ainda era dominada por autores brancos, majoritariamente homens, e que, na maioria das vezes, romantizavam ou ignoravam a condição dos negros e dos marginalizados.

Maria Firmina dos Reis, maranhense, rompe com esse silenciamento ao escrever um romance que, embora apresente características típicas do Romantismo — como a idealização do amor e da natureza —, dá voz aos escravizados de forma inédita na literatura nacional até então.

O romance conta a história de Úrsula, uma jovem sensível, bela e de espírito elevado, que vive em meio a dilemas familiares, paixões e injustiças sociais. Órfã de pai, ela é criada pela mãe, D. Cecília, uma mulher frágil e piedosa.

A história começa quando Tancredo, um jovem nobre e de caráter íntegro, sofre um grave acidente ao cair de seu cavalo. Por sorte, Túlio, um homem negro e escravo, passava pelo local e, ao encontrá-lo ferido, decide levá-lo até a casa de sua senhora, mãe de Úrsula. Úrsula passa a cuidar de Tancredo com dedicação.

Era ela tão caridosa… tão bela… E tanta compaixão lhe inspirava o sofrimento alheio, que lágrimas de tristeza e de sincero pesar se lhe escaparam dos olhos, negros, formosos, e melancólicos. Úrsula, com a timidez da corsa, vinha desempenhar à cabeceira desse leito de dores os cuidados que exigia o penoso estado do desconhecido.

Nesse período em que ele fica hospedado na casa dela, nasce entre eles um amor sincero.

Vós, Úrsula, aparecestes, e espantastes as trevas de tão apurado sofrimento; fostes o meu anjo salvador. Úrsula, eu vos amo. E se vossa alma simpatizar com a minha, meu coração vos tem escolhido para a companheira dos meus dias.

— Amais-me, Úrsula?

Um súbito rubor, melhor que a rosa, tingiu as faces da delicada virgem, e ela, baixando os olhos, disse-lhe:

— Talvez… Mas enquanto os lábios diziam simplesmente talvez, o coração, desfeito em transportes de inefáveis doçuras, sonhava as venturas do Paraíso.

Quando, enfim, Tancredo se declara, revela também a dor de seu passado: ele já teve o coração despedaçado por uma jovem chamada Adelaide. Adelaide era uma órfã acolhida pela mãe de Tancredo, e, com o tempo, os dois se apaixonaram. No entanto, o pai de Tancredo desaprovava esse romance. Para ganhar sua aprovação, impôs uma condição, dizendo que se Tancredo fizesse uma viagem de trabalho por um ano, ao retornar, poderia então se casar com Adelaide.

Porém, ao regressar, Tancredo se depara com uma tragédia dupla: sua mãe havia falecido e seu pai havia se casado justamente com Adelaide, aquela que jurava amá-lo. Logo, ele descobre a amarga verdade: Adelaide jamais o amou de verdade; ela estava, na verdade, interessada apenas na fortuna de seu pai.

Mesmo carregando as cicatrizes desse passado doloroso, Tancredo reencontra em Úrsula a esperança no amor e a possibilidade de reconstruir sua vida.

Contudo, o amor dos dois enfrenta vários obstáculos, principalmente os interesses de Fernando, o tio de Úrsula, um homem cruel, ganancioso e violento, que deseja Úrsula não por amor, mas por cobiça e domínio. Sim, o tio se apaixona pela sobrinha.

Paralelamente à trama amorosa, a obra desenvolve uma forte crítica social, mostrando o cotidiano de negros escravizados, sobretudo por meio dos personagens Susana e Túlio. Pela primeira vez na literatura brasileira, os negros não são figurantes, mas sujeitos que expressam seus sentimentos, dores, medos e sua percepção sobre a própria condição de subjugação.

Linguagem da obra é a típica do Romantismo, rebuscada, sentimental e com descrições detalhadas. A autora usa de muitas figuras de linguagem e tem uma escrita muito bonita.

Personagens principais

Úrsula: Protagonista sensível, amorosa e virtuosa.
Tancredo: Herói romântico, íntegro e apaixonado.
Fernando: Antagonista, símbolo da maldade e opressão.
Susana: Escravizada que narra suas dores.
Túlio: Escravizado que também expressa sua tragédia pessoal.

Úrsula não só rompeu com os padrões literários do século XIX, como também abriu caminho para uma literatura que desse voz aos marginalizados. É uma obra que precisa ser lida não só por sua importância histórica, mas por sua força literária. É um grito de resistência em uma sociedade que tentava silenciar mulheres e negros. Maria Firmina dos Reis oferece ao leitor uma narrativa que mistura beleza poética, drama romântico e denúncia social, tudo isso de forma pioneira e extremamente sensível.

Já conhecia a autora? Comente aí se deixei você com vontade de ler.

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Foto Regiane Silva Regiane Silva

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