
Livro: Vidas Secas;
Autor: Graciliano Ramos;
Editora: Principis;
Publicado em 1938;
Páginas: 96;
Nota: ⭐⭐⭐⭐⭐
Sinopse
A crueldade da seca e a vida miserável fazem com que uma família de retirantes sertanejos seja obrigada a se deslocar de tempos em tempos para áreas menos castigadas do sertão brasileiro nordestino. O estilo seco de Graciliano Ramos parece transmitir a aridez do ambiente e seus efeitos sobre as pessoas que ali estão. Pertencente à segunda fase modernista, conhecida como regionalista, esta é qualificada como uma das mais bem-sucedidas criações da época.
Resenha
Se você não é milionário, classe alta, classe média, se não está nessa “bolha”, provavelmente já conheceu um Fabiano e uma Vitória. Apesar de minha família ser mineira, e esses personagens serem nordestinos, enquanto lia esta história, eu via meus pais e meus avós passando por coisas semelhantes. Hoje temos um pouco mais de condição financeira, a vida não é difícil como era na infância de minha família, mas a cada página eu não me sentia tão distante dessas personagens. E é isso que faz um livro ser um clássico.
Vidas Secas está longe de ser apenas um livro regionalista. Graciliano Ramos tece uma denúncia sobre a desigualdade entre os homens, a opressão social e a injustiça. Esses são os temas principais de seu livro. A obra é o retrato da família brasileira nos dias de hoje também. Em todo o Brasil, há um Fabiano, alguém que sobrevive.
Embora a história narre a fuga de uma família da seca do sertão nordestino, em momento algum o esmagamento de Fabiano e de sua família é explicado apenas pela seca ou por qualquer fator geográfico. Ao longo da narrativa é nos revelado as injustiças que passam por serem pobres.
Uma das características de Graciliano Ramos é que seu herói é problemático e não aceita o mundo, nem os outros, nem a si mesmo. Fabiano ora se sente um homem (humano), sonhador, cheio de esperança na vida, ora se sente um bicho, alguém que não merece ser respeitado e cujo destino é sofrer e ser pisado pelos outros.
— Fabiano, você é um homem — exclamou em voz alta.
(…) pensando bem, ele não era homem: era apenas um cabra ocupado em guardar coisas dos outros. Vermelho, queimado, tinha os olhos azuis, a barba e os cabelos ruivos; mas como vivia em terra alheia, cuidava de animais alheios, descobria-se, encolhia-se na presença dos brancos e julgava-se cabra.
Olhou em torno, com receio de que, fora os meninos, alguém tivesse percebido a frase imprudente. Corrigiu-a, murmurando:
– Você é um bicho, Fabiano. (p. 15)
Outra característica do autor é sua economia vocabular. Para mim, isso não é algo ruim, na verdade, me fascina como com poucas palavras ele consegue descrever uma grande profundida, deixando que nossa imaginação complete o que não foi dito. Sua escrita é tão envolvente que é impossível não entender o que suas personagens estão sentindo, mesmo que não seja dito para nós.
Vidas Secas contém 13 capítulos autônomos, mas que se ligam pela repetição de temas. Ao terminar o primeiro capítulo, tive a sensação de ser um conto, pois estava tão fechado que nem havia a necessidade de continuação. Graciliano havia dito uma vez que tinha alguns contos que resolveu juntar e transformar neste livro, o que fez os capítulos serem episódios da vida dessa família entre duas secas.
As personagens são totalmente humanas, sem exageros. Temos Fabiano, um homem trabalhador, ignorante e, às vezes, sonhador. Acompanhamos ao longo da história a vida esmagando seus sonhos. Vitória é sua esposa. Acostumada à vida sofrida, tem apenas um sonho: ter uma cama de couro, macia e boa para dormir, já que a de varas tinha um caroço no meio e não era confortável. Os filhos são chamados de “menino mais novo”, que tem apenas o sonho de ser como o pai quando crescer, e “menino mais velho”, que tem o desejo de ter um amigo, contentando-se com Baleia – a cachorrinha. O soldado amarelo representa a autoridade do governo, aquela que menospreza e ignora a existência do povo pobre, apoiando apenas os que tem dinheiro. O patrão é aquela pessoa que mostra a Fabiano que não é apenas a autoridade que pode pisar nele, mas aqueles que têm dinheiro também vão se aproveitar dele.
Sabia perfeitamente que era assim, acostumara-se a todas as violências, a todas as injustiças. (…) “Tenha paciência. Apanhar do governo não é desfeita.” (…) Governo, coisa distante e perfeita, não podia errar. (p. 25)
Um dos capítulos que mais marca a maneira como essa família se sente comparada às outras pessoas é o da “Festa”. Nesse momento, as personagens, ao ter contato com as pessoas na cidade, sentem-se humilhadas, mesquinhas e até mesmo ridículas. Percebem haver uma distância enorme entre eles e os outros. Nunca se encaixariam como eles. Em algum momento, Fabiano até mesmo conclui que, infelizmente, seus filhos terão o mesmo destino que ele.
Os meninos (…) quando crescerem, guardariam as reses de um patrão invisível, seriam pisados, maltratados, machucados por um soldado amarelo. (p. 29)
Graciliano Ramos transmite uma visão amarga da vida dos retirantes. O livro termina como começou, em um movimento circular que aprisiona as pessoas. Embora a seca chegue de novo, forçando a família a se mudar, entendemos que não é exatamente a seca que faz essas pessoas terem de recomeçar em outro lugar. Afinal, pessoas com autoridade (como o soldado amarelo) e pessoas com dinheiro (como o patrão, dono da fazenda) não são obrigados a se mudarem dali.
Fabiano não tem dinheiro, educação ou proteção. A única coisa que tem é sua saúde que o permite trabalhar, mesmo não sendo remunerado como deveria. Ele tem que plantar para comer; o pouco dinheiro que ganha mal dá para comprar itens básicos para a família. A seca o prejudica mais do que aos outros.
Todas as personagens, em algum momento, têm algum tipo de sonho, porém são reféns da realidade e, aos poucos, vemos seus sonhos se dissipando.
Apesar de ser uma história dramática, ela contém momentos engraçados, como quando Fabiano tenta falar bonito como seu antigo patrão, usando as palavras aleatoriamente, achando que estava tudo certo e compreensível; ou quando Vitória fica brava com o marido que diz que seus sapatos de salto a fazem parecer com pernas de papagaio.
Terminei a leitura impactada não apenas com a realidade apresentada na história, pois ela não me é desconhecida, mas me impactei com a escrita de Graciliano, apaixonando-me por ela e desejando ler mais histórias dele. Se você teme ler este clássico, não deixe o receio impedir que você conheça um autor incrível. Apenas leia, não vai se arrepender.
4 comentários em "Vidas Secas, de Graciliano Ramos | Resenha"
Parabéns pela perfeita visão do livro.
Obrigada!
Maravilhoso resumo,li vidas secas na década de setenta hoje pude relembrar.
Obrigada. É um ótimo livro.
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